quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Word of Faith e trabalho escravo

Na última semana, a imprensa brasileira alertou para denúncias de maus tratos e trabalho "análogo" à escravidão cometidos dentro da Word of Faith Fellowship, com sede nos EUA, envolvendo recrutamento de brasileiros.

Autodefinida como uma igreja cristã, protestante, não-denominacional, a WFF informa, oficialmente, ter missões em Ghana e no Brasil. Aqui, estão a cargo da Comunidade Cristã Evangélica Rhema, do casal de pastores Juarez e Solange Oliveira (em São Paulo), e do Ministério Verbo Vivo (MVV), do casal de pastores John e Marialva Martin (São Joaquim de Bicas, na grande Belo Horizonte). A informação também causou incômodos a duas outras igrejas brasileiras que levam nomes parecidos mas não tem relação com a WFF: a Verbo da Vida, mantenedora das escolas Rhema, e o Verbo Vivo de Guarulhos.
O problema não é tão novo quanto parece. O MVV foi denunciado à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa mineira em 2009. Seus pastores foram afastados do Conselho de Pastores Evangélicos do município, São Joaquim de Bicas. Já se passaram oito anos. O pedido da Polícia Federal por busca e apreensão foi rejeitado pela Justiça e o inquérito encaminhado ao juiz dorme em alguma gaveta. A investigação do Ministério Público sequer foi concluída. O MVV continua operando normalmente, sob a morosidade ou conivência do sistema de justiça brasileiro. O Delegado do município, Geraldo Toledo, informou à imprensa em duas oportunidades que suspeitava haver pessoas dentro do Fórum ligadas ao MVV embaraçando as investigações (1, 2). Essa igreja tem algum poder político na cidade. Um de seus líderes, Aecio Pinto Rodrigues (PMN), foi candidato a Vice-Prefeito em 2008 e eleito vereador em 2012 e 2016. Na época, uma série de matérias foi feita pela emissora local e outras pela Record, encontradas nos links a seguir (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7). As denúncias ficaram no âmbito local e não parecem ter surtido maior efeito. O MVV construiu um imponente templo na entrada da cidade, em terreno próprio de 400.000m², após o as denúncias.
Mas em 2017, denúncias semelhantes causaram comoção dos nossos meios de comunicação, sendo veiculadas nos maiores jornais brasileiros (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7) e receberem matéria de 10 minutos no Fantástico. O motivo que fez a grande imprensa nacional olhar para o problema parece ser claro: as denúncias partiram de nada menos que a Associated Press e imediatamente replicadas pelos grandes jornais dos EUA. Especula-se até que o momento político estimulou a AP a entrar fundo no caso, já que a líder do WFF é ligada ao Partido Republicano, importante alvo da imprensa naquele país. De qualquer maneira, uma denúncia envolvendo trabalho escravo de brasileiros nos EUA dificilmente passaria em branco no Brasil, se tratando até de um problema diplomático.
Fato é que o Brasil foi o último país do Mundo a abolir o trabalho escravo. Ainda replicamos a cultura escravagista em frases bem brasileiras como o "vai trabalhar, vagabundo", que evidenciam nosso desejo de submeter pessoas (geralmente as mais pobres) a condições de trabalho cada vez piores (ninguém fala "vai pagar bem, patrão"). A tradição continua em ambientes onde a fiscalização é precária, por exemplo, no interior do País, nas quatro paredes do ambiente doméstico (sim, violência também é usada para escravizar o trabalho doméstico feminino) e - por que não? - entre as quatro paredes de grupos fechados.
Obras da MVV com trabalho de fieis?
O Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que resgatou mais de 50 mil escravos desde sua criação, em 1995, denuncia corte de verbas do Governo Federal, a partir de 2013, que lhe priva pela metade na capacidade de fiscalização e resgate (1). O crescimento das bancadas parlamentares ruralistas e evangélicas fortalece também um bom número de poderosos que se beneficiam da mão-de-obra forçada ou do subemprego. Acredito que a imprensa brasileira não tinha como evitar a cobertura ao trabalho escravo da "seita norte-americana" mas a iniciativa não agrada muito a setores aqui dentro do nosso território. Afinal de contas, se essas violações são cometidas pelo MVV e pela Rhema, claro que podem estar sendo cometidas em pelo menos algumas das milhares de igrejas independentes que pipocam no nosso território. Vai que a moda pega e outros fieis ganham coragem para denunciá-las?

Em breve, segunda parte do artigo, falando do trabalho escravo nas "seitas"…

Imagens: AP/Folha; Record.

Para saber mais, conheça meu livro Seitas e Grupos Manipuladores: Aprenda a Identificá-los. 

2 comentários:

  1. Aguardo com grande expectativa o dia em que a Sociedade Torre de Vigia,for investigada com seriedade como tem que ser, não ir lá o ministério público,e falar que não viu nenhuma irregularidade, porque é o que o ministério do trabalho faz,tem ser investigada a fundo,com seriedade, mas será que existe interesse ?Pois é um bando de pessoas alienadas e acho que isso interessa aos governantes.

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    1. É verdade! É preciso muita pressão. Estes grupos têm muita influência em cima do Judiciário e eles se protegem mutuamente. Mas chegaremos lá, conscientizando as pessoas e dando coragem para que elas manifestem o que sofreram. Abraços!

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